O único necessário

16º Domingo do Tempo Comum – 17/07/2022

“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada!”

A liturgia deste domingo nos presenteia com uma reflexão sobre a Acolhida. Sabemos que Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Mas quanto essa verdade é, de fato, recebida em nosso coração?

Na Primeira Leitura, Abraão mostra como acolher verdadeiramente. Na hora mais quente do dia, levanta-se e oferece o que tem de melhor para aqueles visitantes (três anjos ou a própria Trindade — como afirmam alguns estudiosos) que chegam sem avisar. Oferece com gratuidade do que tem e recebe a graça do anúncio da maternidade de Sarah. Finalmente o cumprimento da promessa.

Marta e Maria também são hospitaleiras com Jesus. Há uma intimidade entre eles, a ponto de Marta reclamar com Jesus. Marta é como nós, agitada, preocupada com as coisas do dia a dia, ainda que estas sejam feitas com a melhor das intenções e pelos melhores motivos. Elas nos roubam o tempo. Sim, elas precisam continuar sendo feitas. Mas, no meio de tanta agitação, é preciso saber diferenciar entre o que é importante e o que é essencial.

Santa Teresa explicava que, já mais adiantados no caminho de santidade, pensamos ser bons fazendeiros que chegam a oferecer o melhor do que foi produzido a Deus. Mas não oferecemos a gestão da propriedade. Entregamos nossa vida a Deus, mas queremos manter o controle da situação. Esperamos que Deus nos ajude naquilo que decidimos fazer, quando, na verdade, deveríamos colaborar naquilo que Deus quer que nós façamos. Difícil né?

Não basta abrir nossa casa para Jesus e ficar de consciência tranquila por deixa-lo ficar no melhor quarto. Jesus quer que entreguemos a nossa casa para ele gerir. É importante servir Jesus, mas o essencial é fazer a vontade de Deus. Quanto mais fizermos a vontade de Deus, mais intimidade teremos com Jesus. Para fazer a vontade de Deus precisamos seguir os ensinamentos de Jesus. É isso que nos salvará e nos levará à contemplação eterna, que já pode começar aqui. Maria entendeu isso.

Assim poderemos então encontrar a resposta à pergunta do Salmo: “Senhor, quem morará em vossa casa?”. Morará na casa do Senhor aquele que abrir, verdadeiramente, a sua casa (mente e coração) para o Senhor. É dar do pouco que já recebemos por graça, para ganharmos tudo que Deus tem reservado para nós.

Que a Virgem do Carmo nos inspire a abrir a nossa casa, como ela fez ao acolher o Filho de Deus em seu ventre. Maria não fez a vontade de Deus porque era mãe de Jesus. Maria foi mãe de Jesus porque fez a vontade de Deus.

Ó Deus, sede generoso para como os vossos filhos e filhas e multiplicai em nós os dons da vossa graça, para que, repletos de fé, esperança e caridade, guardemos fielmente os vossos mandamentos. (Oração do Dia)

Leituras do dia:

1ª Leitura (Gn 18,1-10a)

Do Salmo 14/15

2ª Leitura (Cl 1,24-28)

Evangelho (Lc 10,38-42)

Uma Mulher Vestida de Sol

Solenidade da Assunção de Nossa Senhora  15/08/2021

Difícil falar de Nossa Senhora sem cair na tentação de contar experiências pessoais. Sim. É no sentir que aprendemos a amar Maria, nas pequenas e nas grandes coisas da vida. E, diante da presença daquela que tanto nos ama, é que buscamos compreender quem é essa “mulher revestida de sol”, de que nos fala o livro do Apocalipse.

Mas, diferentemente de Eva, fugirei da tentação. Afinal, não estou aqui para dar testemunhos, mas para tentar mostrar um pouco da riqueza das nossas liturgias dominicais. E, neste domingo, podemos participar de uma das mais belas páginas da nossa doutrina: “… declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Munificentissimus Deus n. 44).

Que linda declaração! Numa só frase, para declarar o quarto dogma mariano, a Igreja reúne os três dogmas anteriores: Imaculada, Mãe de Deus e Sempre Virgem. 

Em Maria parece haver um descumprimento da promessa de Cristo em relação à ressurreição dos homens, como descreve São Paulo na Segunda Leitura: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois os que pertencem a Cristo, por ocasião de Sua vinda”. Maria é tão intimamente ligada a Cristo que não precisa esperar a nova vinda de Cristo para receber seu corpo glorificado. 

Afinal, aquela que foi concebida sem pecado (imaculada), que não pecou durante toda sua vida, que se configurou totalmente à vontade de Deus e que amou como nenhum ser humano é capaz de amar, não precisaria passar pela corrupção da morte. Sem entrar no mérito se Maria morre ou simplesmente “dorme”, a Igreja proclama que ela foi assunta aos céus, transcorrido o curso de sua vida. Não ascendeu sozinha como Cristo, mas foi elevada pelos méritos da morte de seu Filho Único. Desde sua imaculada concepção até à sua assunção, todas as graças foram recebidas como primícias da salvação realizada por Cristo.

É assim que podemos viver. Já fomos redimidos pela morte de Cristo. Nossa salvação já nos foi dada. Basta manifestarmos o nosso desejo e o nosso esforço em cumprir a vontade do Pai. Precisamos fazer como Maria: esmagar a cabeça da serpente, pisar nos pecados. E, assim, esperarmos o dia de, com ela, entrar na glória celeste.

“Que a mãe do meu Senhor”, como diz Isabel no Evangelho, possa nos visitar hoje e sempre, e que nós possamos ver o cumprimento da profecia do Magnificat: “Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada”. 

Suba até Vós, ó Deus, o nosso sacrifício, e, pela intercessão da Virgem Maria, elevada ao céu, acendei em nossos corações o desejo de chegar até Vós. (Oração sobre as Oferendas)

Leituras do dia:

1ª Leitura (Ap 11,19a;12,1.3-6a.10ab)

Do Salmo 44/45

2ª Leitura (1Cor 15,20-27a)

Evangelho (Lc 1,39-56)

P.S. Estes textos são construídos a partir da liturgia do domingo. Assim, se você ainda não leu ou não lembra o conteúdo, principalmente do Evangelho do dia, sugiro uma leitura preliminar desse.

A Vida Eterna??? Já começou …

19º Domingo do Tempo Comum  08/08/2021

Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comernunca morrerá. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente”. 

Jesus parece repetitivo em seu discurso (‘nunca morrerá’ e ‘viverá eternamente’), mas, na verdade, não o é. Alguns pensam que a vida eterna é uma vida que “ganhamos” depois da morte. Não. A vida eterna começou para nós desde que fomos concebidos, porque, de fato, ela já nos foi dada com o sacrifício de Cristo na cruz. Ou seja, temos uma única vida. Se não morrermos fora de Cristo, viveremos para a eternidade.

Para vivermos em Cristo, Ele nos aponta duas coisas que são necessárias: crer e se alimentar do pão vivo descido céu. O ‘crer’ não é somente um ato de inteligência. É um ato de vida. Tal qual o corpo físico, o ‘crer’ precisa ser alimentado diariamente. 

Vejamos o profeta Elias, na primeira leitura. Havia acabado de vencer uma batalha contra todos os profetas de Baal. Aparentemente um grande vencedor. Mas disso resultou ser perseguido e teve quer fugir para o deserto. Estava cansado, esgotado e pede que o Senhor lhe tire a vida. Mas ainda tinha uma missão a cumprir. A morte não é, necessariamente, a solução para os nossos problemas. E um anjo aparece e o manda beber e comer o pão que ali foi oferecido por Deus. E ele encontra força para caminhar mais 40 dias e 40 noites e, finalmente, chegar ao Horeb, o monte de Deus.

A vida de Elias é um retrato da nossa vida de cristãos neste mundo. Passamos (ou deveríamos passar) um bom tempo tentando fazer a vontade de Deus, professando a nossa fé, lutando contra o mal que avança neste mundo. E isso nos deixa exaustos, porque as forças contrárias são muito grandes. Mas Deus não nos dá uma missão sem que nos entregue os meios necessários para realizá-la. 

E esses meios nós encontraremos na Eucaristia, o pão vivo descido do céu. Esse é o nosso verdadeiro alimento espiritual. É na Eucaristia, presença real de Jesus Cristo, que recobramos as forças, que sustentamos a nossa fé, o nosso crer. É um grande círculo virtuoso: é preciso crer que a Eucaristia é nosso alimento e nos alimentamos para continuar crendo.  

Para que a Eucaristia nos alimente de verdade é preciso que comunguemos bem. Se a Eucaristia não está transformando a nossa vida, nós não estamos comungando bem. O alimento está dado. É Cristo que, como diz São Paulo aos Efésios, “nos amou e Se entregou a Si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor”. 

Então, aproveitemos esse alimento. Não joguemos fora a promessa de que “Quem comer deste pão viverá eternamente”. Busquemos a Eucaristia, com fé, com amor, com desejo, mas, antes de tudo, preparados espiritualmente para recebê-la.

Que o santo de devoção de cada um vos inspire, com seu exemplo de vida, a começar a vida eterna já aqui neste mundo. É possível isso? Com nossas próprias forças, não. Mas, com a graça de Deus, poderemos afirmar como São Paulo aos Filipenses: “tudo posso naquele que me fortalece”.

Ó Deus, acolhei com misericórdia os dons que concedestes à Vossa Igreja e que ela agora Vos oferece. Transformai-os por Vosso poder em sacramento de salvação. (Oração sobre as Oferendas)

Leituras do dia:

1ª Leitura (1Rs 19,4-8)

Do Salmo 33/34

2ª Leitura (Ef 4,30-5,2)

Evangelho (Jo 6,41-51)

P.S. Estes textos são construídos a partir da liturgia do domingo. Assim, se você ainda não leu ou não lembra o conteúdo, principalmente do Evangelho do dia, sugiro uma leitura preliminar desse.

Deus chama os fracos e os pecadores

Solenidade de São Pedro e São Paulo  04/07/2021

Pedro e Paulo, por óbvio, são o centro das leituras desta solenidade. Quero aproveitar para refletir, a partir da vida dos dois, sobre algo comum a eles e a nós: a fé.

Pedro era um simples pescador, rude, impulsivo, sem formação religiosa. Surge no início da vida pública de Jesus. Paulo, também judeu, tinha instrução, acreditava no Deus único, mas era um perseguidor dos cristãos, um assassino. Começamos a ouvir seu nome após a ressurreição de Jesus, quando a Igreja estava em formação e sendo perseguida. Então você, querido leitor, não importa qual a sua situação, fraco ou pecador, novo ou velho, sua vida coincide com as de Pedro e Paulo, já que estará sempre sendo chamado para fazer parte da obra de Deus. Mas, para isso, vai precisar de fé. Aliás, mais do que isso.

Ao longo da nossa caminhada, Deus vai nos perguntando quem Ele é. Pedro, inspirado pelo Pai, fez a sua profissão de fé: “… Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Uma leitura desatenta pode nos levar à falsa conclusão de que Pedro teria alcançado a maturidade da fé. Vale lembrar que, dois capítulos antes, Pedro afundava ao caminhar sobre as águas e ouviu de Jesus “… homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).

A fé de Pedro era sincera, mas ainda não era profunda. Uma fé superficial não é capaz de nos sustentar no seguimento de Jesus. Esse mesmo Pedro, a quem Jesus disse “… tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei minha Igreja” (Mt, 16,28), depois seria chamado de satanás pelo próprio Jesus, faria juras de amor, dormiria na hora da vigília, cortaria a orelha do soldado, negaria Jesus três vezes e fugiria da crucificação de Jesus. 

A maturidade da fé de Pedro viria se estabelecer somente depois de Pentecostes, pois é o Espírito Santo que nos proporciona vivermos o amor de Cristo. Ao recebermos esse amor, somos impelidos a amar de volta. É no amor de Cristo, e no amor a Cristo e ao próximo, que nossa fé se aprofunda e frutifica. É a árvore que cria raízes e dá frutos, desde que permaneça Nele.

A vida de Paulo é um testemunho desse amar de volta. Amor tão verdadeiro que Paulo, que ofereceu a sua vida por Cristo (Gal 2,20: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim”), se oferece como Cristo, na própria morte: “Quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida.” (2Tm 4,6).

Como ele conseguiu fazer essa entrega de si mesmo? Como Pedro também teria forças mais adiante para não fugir da cruz e pedir para morrer crucificado de cabeça para baixo? O próprio Paulo respondeu na Segunda Leitura: “Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças …” (2Tm 4,17). É o que nos lembra o refrão do Salmo 33: “De todos os temores me livrou o Senhor Deus”. 

Completa-se a afirmação da presença de Deus no versículo 8 do Salmo 33: “O anjo do Senhor vem acampar ao redor dos que o temem, e os salva. Provai e vede quão suave é o Senhor! Feliz o homem que tem nele o seu refúgio!”

O anjo do Senhor, como ouvimos na Primeira Leitura, estava na prisão para libertar Pedro. Que o Senhor envie seus mensageiros para nos libertar das algemas da nossa soberba, do nosso egoísmo, para que estejamos livres para receber o amor de Deus que se ofereceu em sacrifício para nos salvar. Sacrifício esse que muitas vezes não valorizamos, todas as vezes que deixamos de buscá-Lo na Eucaristia, prova viva do amor de Deus.

Concedei-nos, ó Deus, por esta Eucaristia, viver de tal modo na Vossa Igreja que, perseverando na fração do pão e na doutrina dos Apóstolos, e enraizados no Vosso amor, sejamos um só coração e uma só alma. (Oração depois da Comunhão)

Leituras:

1ª Leitura (At 12,1-11)

Salmo 33/34

2ª Leitura (2Tm 4,6-8.17-18)

Evangelho (Mt 16,13-19)